A administradora Gabrielle Bressiani, 27, está há dez meses dividindo o tempo entre a casa e o Hospital Humaniza, em Porto Alegre, depois que o marido dela, Alexandre Moraes de Lara, 28, recebeu uma superdosagem de um medicamento cardíaco e ficou em estado vegetativo permanente. O caso ocorreu em outubro de 2021, mas, até agora, a família não recebeu nenhum tipo de amparo.
Alexandre havia dado entrada na unidade devido a uma espécie de arritmia cardíaca, que ele já havia enfrentado anos antes, em 2017. “Desde então, ele vinha tratando com acompanhamento, tomava remédio e tinha vida normal. O outro evento foi este de 2021. Já estávamos até mais tranquilos quando fomos ao hospital, porque já sabíamos como era a situação e que tinha como reverter”, contou Gabrielle ao UOL.
No dia 21 de outubro daquele ano, Gabrielle acompanhou o marido, com quem vive uma relação há oito anos, até o hospital. Na ocasião, ele passou por um clínico geral, fez exames e foi orientado a ir para casa, para consultar um cardiologista. Após uma série de desencontros, a família conseguiu realizar a consulta no mesmo dia.
“Ele fez a consulta e o médico receitou 600 miligramas de propafenona [utilizado no tratamento de arritmia]. Quando ele foi receber a medicação, tinha um copinho com 20 comprimidos. Perguntamos para o técnico de enfermagem, que questionou a enfermeira, e nos disseram que a medida era essa mesma.”
Gabrielle conta que, após o marido ser medicado, ela retornou para casa e então recebeu um áudio dele relatando que ele seria internado. “Ele estava com uma voz muito estranha. Disseram que ele passaria por um procedimento. Eu resolvi voltar para o hospital com a minha mãe e não queriam deixar eu entrar. Eu invadi e vi que ele estava em parada cardíaca”, conta Gabrielle.
A equipe médica tentou reanimar Alexandre e, segundo Gabrielle, demonstrou outras falhas no procedimento. “Na hora que foram colocar o oxigênio no rosto dele, achavam que estava funcionando, mas depois perceberam que não estava saindo oxigênio nenhum do equipamento. O carrinho de parada demorou, a intubação também. Foi tudo uma sequência de erros”, recorda.
A administradora afirma que, logo após ver a situação do marido, pensou que a causa do problema poderia ser os remédios. O cardiologista foi chamado de imediato e, ao investigarem, perceberam que havia um erro na dosagem do medicamento fornecido a Alexandre: ao invés de 600 miligramas, o hospital forneceu 6 mil. Um documento assinado por um médico atestou o erro.
Em uma bula do medicamento produzido por uma indústria brasileira, a Eurofarma, há alerta quanto à superdosagem do propafenona, que pode causar “distúrbios de condução elétrica, como bloqueio atrioventricular (interrupção do impulso elétrico do coração), aumento da frequência cardíaca, fibrilação ventricular, parada cardíaca, pressão sanguínea baixa, dor de cabeça, tontura, visão borrada, parestesia (sensação desagradável sobre a pele), tremor, enjoo, constipação, boca seca, convulsão e morte.”
Atualmente, Alexandre está em estado vegetativo permanente e Gabrielle decidiu expor a situação do marido por não ter tido desde um respaldo legal da instituição desde o incidente. “O hospital tinha proposto fazer um acordo se a gente não falasse nada sobre o caso. Mas desde que aconteceu, estamos aguardando e eles só enrolando. Decidimos não esperar mais. As pessoas precisam ser responsabilizadas.”
Gabrielle conta que Alexandre continua na unidade, recebendo cuidados paliativos. O incidente ocorreu quando ela estava grávida de três meses e a criança, atualmente com 4 meses, conheceu o pai só na cama do hospital. “Toda a gestação eu ia para lá todos os dias. Depois que a nossa filha nasceu, tive que diminuir a frequência, mas a minha mãe vai sempre. Eu já levei a Sara [filha] para conhecê-lo, mas ele não a reconhece”, relata.
Alexandre está sob cuidados especiais durante as 24 horas do dia. “Ele tem que trocar fralda, fazer fono… É uma dependência muito grande. Às vezes tem duas ou três pessoas cuidando dele”, diz.
A administradora registrou um boletim de ocorrência sobre o caso e pretende acionar a Justiça. “Ele tinha uma vida normal, ia para academia, surfava”, diz. “Eu espero que a gente consiga algum tipo de indenização pelo menos para a Sara porque ela não vai ter o pai presente.”
Em nota, o CREMERS (Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio Grande do Sul) informou que abriu uma sindicância para apurar as circunstâncias do incidente. “Como corre em sigilo por lei, não podemos informar detalhes sobre o andamento”, disse a instituição.
A delegada responsável pelo caso, Carla Kuhn, informou ao UOL que as investigações ainda estão na fase de oitivas. “No momento, foi ouvida apenas a esposa da vítima. Estamos aguardando as sindicâncias que foram instauradas no CREMERS e no próprio hospital”, disse ela, informando ainda que, na próxima semana, deve ouvir a equipe de enfermagem e que o prazo da conclusão do inquérito é de 30 dias.
A reportagem também questionou o Hospital Humaniza sobre o caso. Em nota, a instituição informou que o atendimento relacionado ao paciente ocorreu em gestão anterior.
“O Hospital lamenta profundamente o ocorrido e vem prestando toda a assistência médica necessária e disponível para a melhoria do quadro clínico do paciente. Ao mesmo tempo, vem mantendo tratativas com os familiares para, também, proporcionar o máximo de assistência e acolhimento necessários”, diz o comunicado.