Ampla rede de cuidados com a saúde mental do GDF atende de crianças a idosos

Após perder o pai, a pequena Nicole, de 7 anos, passou por momentos muito difíceis. Sem conseguir lidar com o luto, ela teve dificuldade para acompanhar os conteúdos ensinados em sala de aula, só queria ficar sozinha e adotou um tom agressivo com os colegas de escola. Sem saber como ajudar a filha, a empregada doméstica Beatriz Fernandes de Souza, 32, moradora de Águas Lindas (GO), decidiu procurar a coordenadora e a assistente social da Escola Classe 114 Sul, onde a filha estuda.

“Elas perguntaram se eu conseguiria pagar terapia para a Nicole, mas é muito caro. Pouco depois, me ligaram da Ciranda do Coração, para que ela fosse todas as terças-feiras participar do projeto no Cesas”, disse, ao se referir ao projeto desenvolvido pela Secretaria de Educação do DF (SEEDF), no Centro de Educação de Jovens e Adultos (Cesas), localizado na 602 Sul.

Nicole recebe acompanhamento há sete meses na Ciranda do Coração. O projeto é direcionado aos estudantes da educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental e promove o acolhimento das crianças, além de estimulá-las para que possam desenvolver suas habilidades socioemocionais desde cedo.

“É um trabalho que tem produzido resultados no campo da saúde mental. Uma série de situações que poderiam ser tratadas como violência, para o estudante o viés é sempre educativo. O intuito é promover um ambiente saudável dentro das escolas, de confiança e diálogo”

Larisse Cavalcante, gerente de Atendimento e Apoio à Saúde do Estudante

“Nicole estava muito agitada, não obedecia. Eu sofria muito, chorava, ficava perdida, achando que não daria conta de criar minha filha. Agora, melhorou 100%”, conta, aliviada, a mãe.

Essa é apenas uma das frentes em que o Governo do Distrito Federal (GDF) trabalha para que a população receba os cuidados com foco em saúde mental e bem-estar. O projeto Ciranda do Coração, por exemplo, faz parte do Programa de Saúde Mental dos Estudantes, iniciativa da Subsecretaria de Apoio às Políticas Educacionais (Suape), por meio da Gerência de Atendimento e Apoio à Saúde do Estudante (Gease) da SEEDF.

A gerente de Atendimento e Apoio à Saúde do Estudante da Subsecretaria de Apoio às Políticas Educacionais da SEEDF, Larisse Cavalcante, explica que o acompanhamento psicológico na rede pública de ensino é realizado por meio de projetos que buscam atender as diferentes demandas dos estudantes e de toda a comunidade escolar.

Além da Ciranda do Coração, do qual participa Nicole, os estudantes também contam com os projetos Acolhendo Corações Jovens, voltado para alunos das séries finais do ensino fundamental e ensino médio; Prevenção aos Dispositivos Eletrônicos de Fumar, presente em 40 escolas que o solicitaram, e o Caminhos para uma Escola Promotora de Bem Viver, que faz a intervenção em casos de crises ou situações extremas.

“É um trabalho que tem produzido resultados no campo da saúde mental. Uma série de situações que poderiam ser tratadas como violência, para o estudante o viés é sempre educativo. O intuito é promover um ambiente saudável dentro das escolas, de confiança e diálogo”, observa a gerente.

Portas abertas

As portas de entrada para receber atendimento psicossocial são diversas e variam conforme as necessidades de cada pessoa. A rede pública de saúde segue como uma das principais, e o atendimento psicossocial é realizado em todos os níveis de atenção.

A gerente de Psicologia da Secretaria de Saúde do DF (SES-DF), Renata Kaiser, explica que, na Atenção Primária, o atendimento é feito a partir das unidades básicas de saúde (UBSs), e os psicólogos compõem as equipes multidisciplinares junto aos assistentes sociais, nutricionistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos e farmacêuticos. O serviço também é ofertado pelas equipes do programa Consultórios na Rua, voltado para as pessoas em situação de rua, e dentro do sistema prisional, para os apenados.

“Somos agentes de promoção de saúde e prevenção de doenças para a manutenção de uma vida saudável, em busca do bem-estar das pessoas e para facilitar o seu ajustamento diante dos desafios que se impõem”, ressalta a gerente.

Rompendo ciclos

Foi na Atenção Secundária da SES-DF que a chefe de cozinha Rosangela Shirley Ferreira de Oliveira, 53, moradora do Setor de Chácaras do Paranoá, conseguiu entender o ciclo de violência que ela e sua filha viviam em casa. Após 15 anos de casamento, em 2021 ela teve forças para dar um basta na relação cheia de abusos à qual era submetida pelo ex-marido. E conseguiu encontrar apoio no Centro de Especialidades para a Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica da Região Leste, o Cepav Girassol.

“No Cepav Girassol, além do acolhimento, você conversa com várias mulheres que passaram até por situações piores do que passei. Muitas falam coisas que ajudam as outras porque nesse tipo de relacionamento sempre colocam as mulheres como malucas”, relembra Rosangela.

Há três anos ela tem acompanhamento terapêutico para tentar retomar a vida após sofrer violência física, psicológica e patrimonial por parte do ex-marido. A filha de Rosangela, que à época da separação tinha 12 anos, foi acolhida no Adolescentro, unidade de saúde de referência do Distrito Federal para o atendimento de adolescentes entre 12 e 17 anos, que fica na Asa Sul.

Mãe e filha ainda têm um longo caminho a percorrer para deixar o passado de violência para trás. Rosangela, porém, está confiante. “Existe uma escala de abuso que vai aumentando. Começa com desrespeito, xingamentos, até chegar uma hora em que passa para a violência física. Mas eu e minha filha estamos nos fortalecendo. Aos poucos estamos começando a conseguir sair e nos divertir”, conta.

Acolhimento

Um dos mais conhecidos serviços de acolhimento é realizado pelas unidades do Centro de Atenção Psicossocial (Caps). Como parte da atenção secundária à saúde, são voltados para pessoas com sofrimento mental grave, incluindo aquele decorrente do uso de álcool e outras drogas, tanto em situações de crise quanto nos processos de reabilitação psicossocial.

Foi lá que a aposentada Maria do Socorro Rodrigues, 61, moradora do Riacho Fundo, conseguiu apoio para lidar com a depressão. Um tempo depois de sofrer grandes perdas, com a morte da mãe e dois de seus irmãos, além de uma separação, veio uma forte crise, em 2018.

Após Socorro passar três dias trancada sozinha em casa sem dar notícias a ninguém, a irmã dela chamou os bombeiros para conseguir tirá-la de lá. A única coisa que ficou na lembrança dela foi abrir a porta e desmaiar. O Corpo de Bombeiros a levou para o Hospital de Base, onde ficou internada por dez dias. A depressão somada à medicação por conta própria resultou em uma perda de memória.

Do Hospital de Base, Socorro foi encaminhada para o Caps II do Riacho Fundo, aonde vai todas as semanas, desde então. Ela conta que faz terapia e recebe acompanhamento psiquiátrico, além de participar das atividades realizadas no local, como rodas de mulheres e de criatividade. “O que eu mais gosto é o acolhimento. Quando uma pessoa não está bem, a outra se importa. Para o pessoal [que frequenta o Caps II], é a segunda casa deles”, afirma.

Para Socorro, o cuidado recebido na instituição faz toda a diferença, inclusive, para o autocuidado de cada um dos usuários, que têm aulas como automassagem, yoga e tai chi chuan, e contribui para as relações que vão se construindo ao longo do tempo. “A mente da gente é uma coisa muito séria. Quando você está com a pessoa de que você gosta, você fica boa”, resume, ao se referir aos demais usuários do espaço, aos profissionais que atuam no Caps e à sua própria família.

“É um trabalho muito importante porque essa abordagem qualificada é sigilosa. Muitas pessoas têm receio de socializar a fragilidade com medo de represálias do agressor. O ambiente institucional traz segurança para as vítimas”

Marcela Passamani, secretária de Justiça e Cidadania

Rede de cuidados

O atendimento psicossocial é muito amplo e está presente também em programas da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus-DF), Secretaria da Mulher (SMDF) e Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes-DF). Em toda a rede pública, o atendimento é prestado por equipes multidisciplinares.

Na Sejus, o atendimento é oferecido por meio de programas como o Direito Delas e GDF Mais Perto do Cidadão. A secretária de Justiça e Cidadania, Marcela Passamani, explica que o acolhimento institucional é voltado para o enfrentamento de situações de violência e vulnerabilidade. “É um trabalho muito importante porque essa abordagem qualificada é sigilosa. Muitas pessoas têm receio de socializar a fragilidade com medo de represálias do agressor. O ambiente institucional traz segurança para as vítimas”, ressalta.

Na SMDF, o serviço é oferecido nas unidades do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam) e na Casa da Mulher Brasileira. O foco são as mulheres, especialmente, vítimas de violência. Mas também há todo um trabalho desenvolvido com os homens.

“O trabalho com os homens é no sentido de fazê-los entender que a violência é muito maior que a violência física. Quando a gente fala da violência doméstica, estamos falando de um problema social, do machismo”, afirma Paloma Fernandes, psicóloga e especialista em assistência social da SMDF.

Na Sedes, o atendimento psicossocial é oferecido nas unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), como parte do Serviço de Proteção Integral à Família, que de âmbito nacional.

“O atendimento envolve os aspectos de acesso da família aos serviços e benefícios, além da acolhida. Nesse acompanhamento, a gente identifica situações para a pessoa desenvolver sua autonomia. O psicólogo vai sugerir formas de proporcionar esse desenvolvimento, quais intervenções favorecem e trabalhar o conhecimento sobre os próprios direitos. Às vezes, as pessoas tratam como algo natural viver em situação de pobreza ou violência”, explica Yuri de Albuquerque Ferreira Gomes, especialista em desenvolvimento e assistência social da Sedes.

Fonte: Agência Brasília

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